segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Serendipity




Eu costumava sentar perto da janela do meu quarto com um livro nas mãos e ficar olhando para fora, observando o que acontecia na rua. Via crianças brincando, namorados andando de mãos dadas, vizinhos conversando... e como eu não podia ouvi-los, havia muitas situações engraçadas porque eu tentava dublar do meu jeito o que estavam falando. Eu imaginava os diálogos engraçados, otimistas que faziam valer a pena o dia das pessoas. Eu observava os outros enquanto vivia esperando que a minha história enfim começasse um dia, que eu tivesse um acontecimento importante que valesse a pena ser contado mesmo depois de muitos anos, mas esse momento estava demorando uma eternidade.

E foi em uma manhã chuvosa que encontrei você. Eu estava carregando os livros e os cadernos da escola como se pesassem muitos quilos e andava na rua com a cabeça baixa – não sei porque sempre abaixamos a cabeça quando esta chovendo – quando notei alguém sentado do outro lado da rua, despreocupadamente como se não se importasse com os pingos gelados de água que escorriam pelo seu rosto. Olhei para você, não porque estava bem vestido, nem porque até que era bonito, mas porque você sorria. E era pra mim. Eu sabia que não era um sorriso comum, sabia que não era uma simples cantada de rua, eu sabia que aquele sorriso era genuíno e automaticamente algumas borboletas começaram a voar dentro do meu estomago. Você não falou comigo, nem nesta manhã chuvosa, nem em todas as manhãs que se seguiram, chuvosas ou não. Mas você estava sempre lá. Todas as manhãs quando eu caminhava até a escola. Eu te via escolhendo pêssegos na barraca de frutas, comprando o jornal da banca próxima à esquina e algumas vezes você só estava parado, com as mãos nos bolsos, sempre com aquele ar despreocupado. Mas o mais importante de todas essas manhãs, é que seu sorriso estava sempre lá para mim e as borboletas no meu estomago também.

Nunca me permiti fazer perguntas demais: onde você morava, porque todos os dias estava lá e porque só sorria para mim. Você era só a presença do sorriso mais cativante do mundo, uma presença que fazia todos os meus dias serem melhores desde que esse sorriso apareceu. E eu tinha certeza que o sorriso era para mim. E ter um sorriso de alguém, feito para você, um sorriso que nascia só de me ver, um sorriso que fazia as borboletas do meu estomago voarem freneticamente... era como acender uma luz bem no meu coração.

Foi em uma linda manhã também chuvosa, como no primeiro dia que nós nos vimos, que a minha vida mudou. Eu ia para a escola, como todos os dias observando todos os lugares, tentando adivinhar onde eu encontraria você. Eu usava um guarda-chuva vermelho para me proteger da chuva, quando me deparei com uma frase, escrita na parede de um prédio próximo a barraca de frutas: “Por uma coincidência feliz, encontrei você naquela manhã chuvosa”. Achei interessante como aquela frase se parecia conosco, como se tivesse sido você quem escreveu e sorri, pensando em como seria bom se as borboletas que existiam no meu estomago, existissem também no seu.
Andei um pouco mais e na esquina da banca de jornal, outra frase escrita dizia: “Venho tentando encontrar uma forma de te dizer como me sinto quando te vejo, todas as manhãs”. Comecei a sentir falta de ar e as borboletas voavam tanto dentro de mim, que eu chegava a quase sentir náuseas, seria possível que essas frases fossem para mim?
 
Sem querer continuar pensando e me recusando a ter esperança, desviei os olhos da frase escrita na parede e me virei para atravessar a rua... e você estava bem no meio da rua, deixando a água cair sobre você e com aquele sorriso que eu conhecia tão bem, aquele meu sorriso.

E de repente, eu não sabia o que fazer. Imóvel, observei você caminhar lentamente até bem próximo de mim e ouvi sua voz pela primeira vez.

Me lembro de não ter escutado bem o que você disse, porque o impacto da sua voz rapidamente me embaraçou. Sua voz era forte, mas doce. Alegre mas receosa. Clara, mas misteriosa. Você percebeu minha confusão e repetiu:

- Você sabia que as coincidências felizes tem um nome?

Eu demorei um pouco para responder. Estava ainda sobre o efeito da sua voz. E me critiquei imaginando que você me acharia boba.

- E esse nome não seria “destino”?

Me critiquei novamente, que coisa estúpida de se dizer, eu deveria parecer mais inteligente. Você respondeu:

- O destino é como karma. Traz o que você precisa encontrar, não necessariamente feliz. Essa coincidência que me trouxe você, é um acontecimento que só deve ser permitido quando Deus está muito feliz.

Quando você me disse isso, eu esqueci que sabia falar, abri a boca para responder e não consegui. Você se aproximou mais e já bem perto de mim, pegou o meu guarda-chuva vermelho, fechou-o lentamente e a chuva começou a tocar em mim, muito gelada, mas eu não sentia nada. E por fim você disse:

- Serendipity. O nome das coincidências felizes é serendipity.

E enquanto a chuva caia sobre nós dois e eu me esquecia do mundo todo, você me beijou.

A partir desse dia, você me acompanhava até a escola todas as manhãs e eu descobri que não era só o seu sorriso que eu amava. Sua voz, seu jeito de levantar as sobrancelhas fazendo graça para eu rir, o carinho com que me olhava, tudo me encantava.

Passamos a dividir os pêssegos da barraca de frutas e nos sentávamos na praça para ler o jornal, antes de você me acompanhar até a escola.

Os dias foram passando e cada vez mais, dividíamos mais e mais coisas... Me lembro das tardes de sábado que passávamos deitados na grama adivinhando as formas das nuvens e dos passeios no parque que acabavam em sorvete, me lembro das tardes que fugíamos para o cinema e ficávamos de mãos dadas no escuro e de como dançávamos a noite, me lembro da primeira vez que caminhamos juntos na areia da praia à noite e me lembro de todos os seus sorrisos e de todas as vezes que eles se transformavam em gargalhada, principalmente quando assistíamos filmes de comédia e apostávamos quem conseguia ficar mais tempo sem rir.

O meu mundo passou a ser colorido. Colorido pelo seu sorriso e pela sua presença. E todos os dias, quando eu acordava e sabia que ia te ver, eu agradecia a serendipity, a coincidência feliz que me fez te encontrar naquela manhã de chuva.

E essa palavra passou a fazer parte do nosso dia-a-dia, porque todas as vezes que descobríamos mais alguma coisa em comum entre nós, dizíamos que era serendipity.

Nós éramos felizes.

Até que o destino chegou. Foi num dia ensolarado, e foi assim que os dias ensolarados passaram a ser tristes para mim.

Nesse dia, você devia estar me esperando no portão para irmos juntos para a escola. Mas você não estava lá.

E não apareceu depois da aula e nem em todos os dias seguintes.

Eu procurei você, procurei na sua casa, nos telefones e de todas as formas.

Você não estava mais lá no caminho da escola para sorrir para mim e sem o seu sorriso colorindo minha vida, meu mundo ficou preto e branco.

Eu penso sempre em você e me pergunto o que terá acontecido para você não estar aqui comigo e muitas vezes imagino histórias mirabolantes, às vezes até me convenço que você foi seqüestrado por algum alienígena, mas as vezes não sou tão otimista e penso que seu amor acabou. Mas não quero acreditar nisso. Alguma coisa muito importante aconteceu para nossas vidas não estarem juntas. E um dia, ainda quero saber o que aconteceu.

Estou esperando um novo fim para nossa história.

E mesmo hoje, anos depois, ainda estou sozinha. E sorrio sozinha e saio com meu guarda-chuva vermelho em todas as manhãs chuvosas, esperando que um serendipity te traga de novo pra mim.

Um comentário:

Augusto Abreu disse...

Li os três e você escreve muito bem! Continue postando seus textos, você tem talento.! Apareço sempre para ver as novidades!

Um grande abraço!
:)

contospromissores.blogspot.com

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